Karina Ishimori apresenta texto sobre a dança e seus significados simbólicos na cultura japonesa, no qual somos levados a movimentar nossas almas.
SOLOS DE UMA
BAILARINA:
A dança como instrumento de individuação da alma
imigrante japonesa
Karina Midori Ishimori[1]Introdução:
A alma do imigrante japonês e seus descendentes
Ishimori (2005) conta que os primeiros imigrantes japoneses aportaram no
Brasil com um sonho: enriquecer o mais rápido possível como trabalhadores nas
fazendas de café e retornar ao país de origem o mais breve possível. Mas, Logo
que chegaram em terras brasileiras, a fantasia de enriquecimento rápido já deu seus
sinais contrários, pois muitos fazendeiros mantinham seus trabalhadores em
regime servil. Dessa maneira, assim que puderam, esses imigrantes começaram a
formar núcleos cooperativos, arrendando ou comprando terras baratas.
Nesses núcleos cooperativos começaram a formar um pequeno Japão em solo
brasileiro, mantiveram a língua, os costumes, pensamentos e os mesmos ideais
com que deixaram a terra natal. Eram como “pequenas cidades japonesas” que constituíam
uma sociedade à margem da brasileira com modos e costumes alheios que as
tornavam fechadas.
Vero (2003) pontua que é comum que estrangeiros recém chegados a uma
cultura estranha busquem seus iguais como referência. Pois, identificar-se com
seu semelhante é manter-se quem se é. Porém, ao fazerem isso fecham-se em si
mesmos numa espécie de gaiola, formando uma “cola psíquica”. Isso acontece
porque temem perder suas identidades se tiverem contato com a cultura brasileira.
O contato com o estrangeiro (o diferente, o novo, o desconhecido) nos
remete ao nosso próprio estrangeiro interno, ou seja, nos remete a partes de
nossa psique até então desconhecidas e que não reconhecemos como sendo nossas.
Se esse material psíquico puder ser elaborado integrando-se à consciência, vai
significar uma abertura às possibilidades de crescimento. No entanto, fazer
isso aos imigrantes japoneses era tão ameaçador que fecharam literalmente as
suas fronteiras.
Essa dinâmica, que apesar de tudo era de sobrevivência, deixou um legado
aos seus filhos: a tarefa de fincar definitivamente as raízes no Brasil e a
elaboração de todo material psíquico encapsulado ficou a cargo dessa próxima
geração, os nisseis[3].
“(...)
aquilo que é negado por uma geração, acaba depositado sobre o inconsciente de
seus filhos que tem a incumbência de vivê-lo e elaborá-lo (...) aquilo que os
pais não puderam elaborar, ou seja, aquilo que neles era estrangeiro e não
puderam reconhecer e incorporar, ficou projetado para ser vivido pela próxima
geração (...)” (Vero, 2003, p.14)
Então, os nisseis nasceram em solo brasileiro e com isso o
direito da nacionalidade, são brasileiros. Mas, Vero (2003) acredita que essa
geração se vê declaradamente com uma parte estrangeira que está à flor da pele,
pois não há como escondê-la. A “estrangeiridade” do nikkei se expressa
em seus costumes, pensamentos, comportamentos e o próprio corpo (“olhos
puxados”) que o denuncia. Dessa forma, são brasileiros por direito, mas se
sentem estrangeiros.
Ser brasileiro num “corpo estrangeiro” gera uma tensão na construção de
suas identidades. “Sou japonês ou sou brasileiro?” Vero (2003) explica que
possuir uma identidade nacional engloba ter um nome, uma língua materna e
sentimento de pertencimento que servem como base para as pessoas. Pode-se dizer
que o legado da segunda geração foi a tentativa de construir uma identidade,
mas a autora pontua que fizeram de maneira fixada e pouco maleável – tendem a
se considerar ou inteiramente japonês ou inteiramente brasileiro. Nesse
sentido, ao se escolher uma identidade em detrimento da outra, ainda permanece
um lado estrangeiro que não faz parte da psique.
Portanto, os nisseis também deixam uma herança para os seus
descendentes. Para a terceira geração, os sansseis, fica a tarefa de
fazer a síntese dessa “contradição”: brasilidade X japonicidade. Okano (2009)
relata que os nikkeis se situam num espaço Ma – um espaço em
suspensão ou intervalar entre as duas culturas. Declara que essa experiência
pode se constituir um problema para alguns, mas que para ela pode ser um lugar
de privilégio para o indivíduo. Pois, ele pode, ao invés de ter de enfrentar a
exclusão (ou um ou outro), construindo assim uma referência polarizada, pode
conviver com a adição (um e outro) e abarcar com uma multiplicidade de visões
que o espaço Ma pode abarcar.
Dessa forma, o segredo aqui seria o que Okano (2009) propõe, pois esta
contradição pode abrir a possibilidade de se construir referências polivalentes
ao invés do nikkei ter de enfrentar a exclusão.
A dança e o diálogo com o criativo
Almeida (2009) acredita que a dança é uma produção espontânea do ser
humano e que todas as vezes em que o homem necessitou entrar em contato com
forças que o transcendiam, a dança se fez presente nos rituais: de fertilidade,
funerária, casamento, etc. Tendo assim, um caráter universal no qual o homem
pode manifestar sentimentos profundos de si mesmo e do mundo que o cerca.
A autora pontua que o bailarino quando dança é guiado não pelo holofote
do ego, mas por forças inconscientes. É através do mergulho nesse “reino do
silêncio e de forças amedrontadoras” que o criativo surge e, nesse sentido, não
só a criação do movimento, mas também a possibilidade de uma nova consciência
em um novo significado de vida para quem dança. Sendo assim, pensa-se a dança
como um ato libertador.
Interessante pontuar que alguns autores como Almeida (2009), Katz (2006)
e Chevalier e Gheerbrant (2009), com palavras diferentes falam de uma mesma
característica da dança: ela tem o poder de unir os opostos. Pois, o dançarino
tem oportunidade de vivenciar de maneira UNA o que geralmente experiencia de
forma PARCIAL ou POLARIZADA. Assim, fugacidade/eternidade, espaço/tempo,
corpo/alma, espiritual/mental, criador/criação, visível/invisível se fundem num
mesmo instante fazendo com que o dançarino tenha a experiência de ser uno,
inteiro e pleno. Ele vivencia a “totalidade”.
Almeida (2009) complementa que a vivência da totalidade é experienciada
de tal modo que há uma sensação de pertencimento do indivíduo com relação à
humanidade ao mesmo tempo em que se percebe um ser único. Aqui se alcança um
nível tão profundo de compreensão que as palavras não exprimem o vivido, pois
se chegou num plano inconsciente que não é mais pessoal, mas da humanidade
inteira.
Jaffé (1982) alerta ao fato de que a possibilidade de viver essa
totalidade não é realizada de maneira direta com o inconsciente, mas
indiretamente através de símbolos. Nesse processo, o resultado final de uma
obra se torna um símbolo da vivência de totalidade experimentada. Há uma fusão
de elementos provindos do inconsciente, mais propriamente do inconsciente
coletivo com o individual, único do criador.
Vê-se, portanto, que o criativo ou a inspiração nasce da porosidade do
artista com o inconsciente coletivo e desse modo, não é arbitrário. O artista
se surpreende com o que sai dele porque é inundado de pensamentos e imagens que
jamais pensou em criar e que seu ego não tem mais controle. Assim, percebe que
está submetido à sua obra. Contudo, depois da inspiração inicial, sua obra
também pode sofrer influências individuais.
Alguns conceitos teóricos da Psicologia Analítica
Jung (2006) enxerga o homem não apenas sob o holofote do eu, pois
considera que a razão - característica essencial desse componente psicológico -
nos impõe limites bastante estreitos do que seria nossa vida em sua totalidade.
Para ele, a nossa vida ultrapassa, e muito, as fronteiras da consciência e, sem
que saibamos, a vida inconsciente nos acompanha pela nossa existência.
Whitmont (1994) explica que a vontade, a razão, dentro da estrutura
psíquica, são representadas pelo ego, que é apenas o sujeito da consciência. Já
o Self, representa a totalidade da psique e, por isso, inclui não só o ego, mas
também todo o inconsciente. Acrescenta que o Self transcende a nossa compreensão
e poderia ser chamado de “Deus dentro de nós”. Isso significa que o Self é a
meta de nosso destino e possui sua própria finalidade que é se realizar. Quando
o bailarino dança, ele tem a possibilidade de entrar em contato com essa
totalidade psíquica e experienciar o uno.
Para tanto, o ego precisa se subordinar ao Self, e esta é uma tarefa
árdua já que, por vezes, as demandas desse “Deus interior” contradizem as suas
vontades. Mas, se o ego puder dialogar com essa totalidade psíquica, o caminho
para o desenvolvimento individual parece certeiro porque promove a ampliação da
consciência, enfim, crescimento psicológico.
A esse processo Jung (1987) denominou de individuação que significa
tornar-se único, em nossa singularidade mais íntima, que é nos tornarmos o
nosso próprio si-mesmo (Self). Hillman (1997) descreve a individuação como um
chamado de urgência que nos guia para um caminho específico. Sendo que nesse
instante, o indivíduo “sabe o que deve fazer” e sabe quem é.
Então, Guerra (2006) declara que o artista “sabe o que fazer”, entende
estar submetido à obra que é maior que ele e, naquele instante, a sua dança é o
próprio Self a se realizar. “Seu consciente está perplexo e
vazio diante do fenômeno, ele é inundado por uma torrente de pensamentos e
imagens que jamais pensou em criar e que sua própria vontade jamais quis trazer
à tona”. (Jung, 1922, apud Guerra, 2006, p.47)
O contato com o Self não é realizado de modo direto, mas mediado pelos
símbolos. Guerra (2006) declara que tudo o que chega a nós tem um caráter
simbólico porque é carregado de significados e, assim, estrutura e desenvolve a
consciência do homem por ampliar a sua visão de mundo. O símbolo pode surgir no
bailarino através de imagens internas enquanto se movimenta, nas imagens de um
sonho ou até mesmo de um fato.
Outro fator importante a discorrer sobre o símbolo é que este possui, ao
mesmo tempo, aspectos individuais e coletivos. E nesse sentido, o produto
artístico pode estar inserido num ritual que envolva todo um povo, gerando
significados de uma vivência grupal.
“(...) a
criatividade do artista está inserida tanto no Self Cultural como no processo
de desenvolvimento de sua personalidade, pois indivíduo e cultura são
polaridades inseparáveis. Alguns artistas, inclusive, escancaram seu processo
pessoal para a Cultura, expondo em
sua Arte vivências extremamente íntimas, mas que, ao se
fundirem às experiências profundamente humanas, transcendem a individualidade e
mostram seu caráter universal. (...)” (Guerra, 2006, p.52)
Para se aprofundar um pouco mais nesses conceitos teóricos, é importante
lembrar que Jung distinguiu o inconsciente entre inconsciente pessoal e
inconsciente coletivo. Jung (1987) elucida que o inconsciente pessoal é um
estrato de reminiscências estritamente pessoais, da própria vivência de cada
indivíduo, assim, contém lembranças reprimidas, evocações dolorosas e
percepções dos sentidos que por falta de intensidade não atingiram a
consciência.
Já, o inconsciente coletivo, é uma camada mais profunda do inconsciente
e nele não repousam mais as reminiscências pessoais. O inconsciente coletivo é
universal, seus conteúdos podem ser encontrados em toda parte, onde “jazem
adormecidas” as imagens humanas universais e originárias. Essas imagens ou
motivos foram denominados por Jung, arquétipos.
Jung (1987) acrescenta que os arquétipos, essas imagens das recordações
do inconsciente coletivo são imagens não preenchidas porque não foram
pessoalmente vividas pelo indivíduo, mas estão à disposição de qualquer um e só
requer algumas condições para vir à tona. É curioso constatar que Jung acredita
que “(...) Os maiores e melhores pensamentos da humanidade são moldados
sobre imagens primordiais (...)” (Jung, 1987, p.61) Assim, podemos verificar
também que os artistas dialogam com os arquétipos, com essas imagens
primordiais, pois é dessa instância que suas grandes obras surgem.
Solos de uma bailarina: Susana Yamauchi
“À flor da pele”
Susana também relata um detalhe interessante e que resume a sua
indagação da época. Declara que só é chamada pelo nome em português, por pessoas
distantes, já sua família e amigos íntimos a chamam de Suê, seu nome em japonês. Dessa
maneira, pontua através do próprio nome seu conflito, ela era Susana (brasileira)
ou Suê (japonesa)? Conta que este solo foi um depoimento cênico do que
vivia naquele momento, que era um resgate de sua origem através do Japão
tradicional e o questionamento de sua identidade. Essas questões eram sentidas
como que exalando e em erupção, por isso “À flor da pele”.
Para tanto, foi buscar como inspiração uma figura marcante da sua
juventude, o “Lobo solitário”, um personagem de revista em quadrinhos, que era
um ex-samurai em busca de vingança. O
que lhe interessava nesse personagem era que ele fazia as próprias leis e que
estas tinham relação com a honra e respeito. Ishimori (2005) conta que a
herança deixada por esses guerreiros aos japoneses foi o enaltecimento e
cumprimento dos princípios de lealdade, honra, coragem e autodisciplina. Aspectos estes que remontam à cultura
tradicional japonesa a qual Susana buscava. Esse personagem simbolizava, então,
o resgate à cultura de origem.
Outra característica importante da figura do Lobo solitário para Susana era
o fato dele ser só, pois não se
associava a outros samurais e nem buscava as regras coletivas. Nesse sentido, ela
também se sentia solitária, pois não se identificava com os brasileiros e nem
com os nikkeis. Sentia-se diferente deles e que, sendo assim, tinha de
trilhar o seu próprio caminho. Dessa maneira, Susana foi à procura de Si-mesma.
Pode-se dizer que é nesse instante em que percebe que é ela própria que tem de
percorrer o seu caminho que se encontra a possibilidade da superação da
dicotomia brasilidade X japonicidade.
Susana acrescenta que compreendeu esse personagem muito tempo depois,
pois na adolescência não percebia o quanto o “Lobo solitário” a representava na
sua própria busca de identidade e resgate da cultura tradicional japonesa. Assim,
Susana viveu este símbolo sem reconhecê-lo por vários anos e parece que ele só
foi significado após Susana dançar o “À flor da pele”.
“A face oculta”
Nessa viagem, Susana entendeu que o que imaginava ser a sua identidade
japonesa não era mais a do Japão atual! Percebeu o quanto era estrangeira lá
também. Essa viagem, sentida como um choque, destruiu a imagem que tinha dos
japoneses e a que tinha construído para si. Foi à partir dessa experiência que
passou a compreender que a sua identidade não se encontrava no passado (no
Japão tradicional), mas no presente (estrangeira no Brasil e no Japão) e que
ela era sim, a somatória do passado com o que se vive hoje. Diz que o
espetáculo “A face oculta”, realizado em 1996, aborda essa necessidade de
elaboração.
Diante a este fato, parece que Susana foi lançada a questionar a sua
própria face oculta, o estrangeiro dentro dela. Nesse solo, Susana diz ter
usado muitas máscaras, num jogo em que tirava uma e revelava ainda outra.
Pontua que essa dinâmica tinha relação com a identidade que buscava, que era a
somatória de informações de cultura, uma identidade que ela denomina como
híbrida.
Colocar e tirar máscaras é um gesto simbólico que Susana fala que todos
nós fazemos no convívio com os outros, que não há máscara falsa ou verdadeira,
mas que evidencia uma parte do que se é. A máscara, então, mostra um aspecto da
identidade que, para ela, seria a sobreposição de várias outras.
Nesse instante, Susana descobre que ela própria é a sobreposição das “máscaras”
ocidentais e orientais. Assim, não precisa escolher entre uma ou outra, mas se
percebe como sendo a “miscelânea” dessas culturas. Aqui se marca,
finalmente, a superação da vivência polarizada oriente X ocidente. Susana teve
que viajar até o Japão, desconstruir tudo o que havia imaginado ser o Japão
tradicional e que a representava, para agora, conseguir perceber que as faces
ocultas que tanto a incomodaram, podiam ser vividas conjuntamente. O termo face
oculta sugere o estrangeiro no sentido que Vero (2003) pontua. Daquele “não eu”
mas que “habita em mim” e que Susana, nesse instante parece ter conseguido
integrar como fazendo parte de sua consciência.

Relata que o choque vivido no Japão foi de repulsa por não ter
encontrado o Japão imaginado, mas sentia que a sua ligação com essa cultura era
maior que esse desencontro. Conclui que é na filosofia Zen que encontrou suas
respostas.
VÍDEO "WABISABI" youtube (clique)
VÍDEO "WABISABI" youtube (clique)
“Wabisabi” representa a transformação de Susana, pois ele mudou não só a
sua visão de mundo, mas a que ela tinha dela própria. Diz que não é que ficou
mais “espiritualizada”, mas que olhou para dentro de si e percebeu que nada é
permanente e nem há perfeição na vida. E que é na constatação desses aspectos
que se encontra a beleza da vida, que se pode compreender a sofisticação de um
simples ato e encontrar arte no dia-a-dia.
Com “Wabisabi” entendeu ainda que a beleza/ feiúra, eternidade/finitude,
uniformidade/desigualdade, perfeição/imperfeição como contradições que formam
uma totalidade. Isto é, cada elemento só existe na presença do outro e que a
partir disso, seu olhar para com o mundo e consigo mesma se transformou.
Dessa maneira, Susana deixou para trás os conflitos em relação a sua
identidade e saltou para um olhar mais abrangente e abstrato, que para ela,
traz um sentido de vida. Em “Wabisabi”, Susana dança essa conquista, a da
compreensão do mundo e de um sentimento amplo de se saber quem é, desvencilhada
dos antagonismos.
Considerações Finais
As imagens para o processo de criação das obras de
Susana tem grande valor simbólico. Primeiro, o Lobo solitário, o ex-samurai
errante que simbolizava todos os princípios e valores da cultura tradicional do
Japão que Susana identificava como sendo seus. Depois, as imagens no novo
Japão, que a fizeram desconstruir essa identidade japonesa fazendo-a encontrar
um novo lugar para si. Nesse processo para a conquista do novo, percebeu através
das máscaras a reconciliação entre o mundo ocidental e oriental. E a partir de
então, conquistou “Wabisabi”, conceito da tradição Zen que agora explica não só
a sua visão de mundo como a si mesma. Todo esse processo mostra o trabalho de
uma pessoa por anos à fio. O primeiro solo de Susana aconteceu em 1992 e o
último em 2008, isto é, um trabalho de pelo menos 16 anos de elaboração
psíquica e muita dança.
Susana é exemplo do artista que se deixa abrir-se
para as portas do inconsciente pessoal, coletivo e dos arquétipos. Essas
imagens carregadas de simbolismo expressam seu Self que tenta a sua realização.
Fazendo isso tem a possibilidade de vivenciar a totalidade e daí trazer algo
novo para a sua consciência, ampliando-a. A cada ensaio e a cada vez que dança,
Susana tem possibilidade de se transformar, como que se cada peça entre
milhares do quebra-cabeça de sua psique fosse se encaixando, “devagarinho” e no
seu tempo. Porque esse processo não respeita a ordem cronológica do nosso tempo
egóico, do nosso desejo e querer. Ele respeita o tempo do Self, o qual não
possuímos controle algum.
Esses três solos nos conduzem para o processo de
individuação de sua dançarina. Mostram com clareza suas indagações, incertezas,
angústias e para onde o Self aponta. Nesse sentido, Susana foi corajosa e
conseguiu suportar toda a tensão que essa vivência contém. Assim, conseguiu
também transferir o controle que antes era do ego para a instância do Self. Um
projeto de difícil conquista porque o ego quase nunca quer deixar de possuir o
controle de nossas vidas. Consentir ao Self realizar as nossas vidas é poder
acreditar em algo maior que a gente mesmo, e isso, muitas vezes nos gera um
medo imenso fazendo que nem todas as pessoas busquem essa jornada.
Susana, ouvindo seu “Deus interior”, escolheu não
viver uma ou outra polaridade, a ocidental ou oriental. Ela superou essa
dicotomia, encontrando um terceiro caminho que foi o da reconciliação,
considera a sua identidade como a “sobreposição” dessas culturas. E
mais, dessa conquista, ampliou seu campo de consciência através dos conceitos
do Zen para além de uma nova forma de se enxergar, mas também uma nova forma de
lidar com o mundo.
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Kátia M. Orberg. São Paulo: Cultrix.
[1] Psicóloga e Mestre em Psicologia Social
pela PUC-SP, especialista em Psicoterapia Analítica e Abordagem Corporal pelo
Instituto Sedes Sapientiae. Atua como psicoterapeuta junguiana e professora
universitária. e-mail: kaishimori@uol.com.br
[3] Denominação para os filhos dos imigrantes japoneses.
Eles são considerados a segunda geração de japoneses no Brasil.